Monday, August 06, 2007

6/08/07
Se viver é estar morto, prefiro ser um zumbi


Na minha infância o nome de Mina, eterna amada do temido Vlad Drácula, ecoava como um sinal de terror. O medo não era presente pelo sangue ou pela angùstia das vítimas dos vampiros, mas pelo desespero que Drácula emitia com os sons inebriantes em busca de Wilhelmina Harker (obrigado ao pessoal da comunidade do Zombie Walk de BH que me corrigiu), ao percorrer as cavernas do castelo criado pela mente brilhante de Bram Stoker.

A arte do terror cinematográfico tem clássicos primorosos capazes de, pelo menos, aguçar nossos sentidos e nossas angústias internas. Disso não tenho dúvidas. A morte, a dor, o sofrimento e o sangue são menos aterrorizantes que a incerteza e o suspense recriados em, por exemplo, “O Exorcista” (1973) de William Friedkin ou ainda “O Lobisomem“, com Lon Chaney Jr. e Freaks, filme polêmico dirigido em 1932 por Tod Browning. Esses vão ficar por muito tempo na minha cabeça.

A contemporaneidade tentou reviver os bons tempos do terror com produções baseadas em maquiagens e efeitos especiais, se esquivando da própria trama da morte contra a vida. Os insucessos de “Jogos Mortais” (2004) e ainda o antigo, e que ninguém esquece "A Volta dos Mortos-Vivos" (1985), não indicam que o cinema do terror perdeu sua clientela, mas para mim, aponta m esfriamento diante de terrores, anteriormente, temido por tantos expectadores “inocentes”.

Mas esse texto não deveria ser sobre cinema e não o será. Entretanto é das telas de cinema que a sociedade encontra saídas para amenizar outro tipo de dor, de morte e descaso. O drama vivido pelas personagens de Stoker, Friedkin e Browning se relacionavam, intrinsecamente, com a insistência pela vida, pelo prazer de participar, ou assim continuar entre os supostos vivos. E não faltam pessoas que desejam experimentar, ainda que fictício, momentos de convívio com os aspectos dos tais personagens. Como em "A Volta dos Mortos-Vivos" , o movimento Zombie Walk é um bom exemplo, ao buscar retratar momentos públicos, organizados por um grande grupo de pessoas que se vestem de zumbis e saem às ruas das principais capitais numa procissão fúnébre que celebram um tipo de liberdade

O evento, promovido via internet ou por algum tipo de publicidade, poderia se considerado como um acontecimento underground, principalmente por que pessoas se vestem como zumbis, referenciadas pela estética da decomposição corporal retratada nos longas. Mas de undreground não tem nada. Uma das primeiras Zombie Walks ocorreu em outubro de 2003, em Toronto, Canadá, com apenas seis participantes. No Brasil, a primeira levou diversos paraenses de Belém, em outubro de 2006, para as ruas da capital. Este mês, no último sábado (04), o primeiro Zombie Walk mineiro levou centenas de pessoas para as principais ruas da cidade de Belo Horizonte, com performances, maquiagens e adereços como se todos tivessem saído diretamente dos cemitérios da cidade.

Um dos organizadores da primeira Zombie Walk de Belo Horizonte, o estudante de Engenharia Ambiental da Fumec, Felipe Maciel, buscou inspiração para sua fantasia em um personagem do "A Volta dos Mortos-Vivos. “Eu escolhi sair com queimaduras de 3º grau, com roupas levemente queimadas, retratando um zumbi que me botou muito medo nos anos 80”, conta. Ele explica que a figura do zumbi se relaciona com o movimento psychobilly, mas a maioria dos integrantes mesmo seguindo movimentos diferentes se integraram no Zombie Walk para expressar a liberdade de se vestirem como mortos ambulantes pela cidade. “Mas não é um momento político, é apenas um encontro de quem está a fim de se vestir como zumbi e poder ir para as ruas mostrar sua fantasia num sábado a tarde”, explica. A passeata é pacífica, informa Felipe e não tem a pretensão de cumprir nenhum objetivo político.

Mas a figura do zumbi, retratada e imortalizada nor filmes, e agora ressuscitada pelo Zombie Walk, apesar de não ser essa a intenção dos participantes do movimento, retrata, ainda que distantemente, a realidade sócio econômica que milhares de pessoas encontram diante de si. Para a psicanálise, diante de conversas minhas com acadêmicos da área, a figura humana se deteriora como um morto-vivo ao deparar-se com o insaciável desejo não realizado, que se torna alvo infinito diante da programação mercantilista, que o coloca numa posição de escolha definida, seja pela necessidade gerada pela indústria cultural, ou pela nata correlação entre sua formação sócio-cultural e o mundo que vive. Felipe discorda dessa minha posição ao me dizer que somos livres para fazer o que quisermos, ainda que tenhamos que, convenientemente, seguir a sociedade para não morrer. Eu concordo também, mas não discordo que todos os dias encontro figuras, desmaqueadas, sem sangue e sem ferimentos, que olham para mim com olhos ambiciosos pela vida e insistem contra a morte, sem saber ao certo o limiar entre viver ou morrer. Leia-se se aqui agruras sociais, corrupção, tragédias com aviões, superfaturamento de medalhas e muitas reticências.

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Rodrigo Saturnino é jornalista e tem um blog: www.nossoopiodecadadia.blogspot.com e escreve aqui todas as segundas-feiras. Fale com ele: rodrigo@obinoculo.com.br

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