Friday, November 21, 2008



Tuesday, November 18, 2008

Thursday, November 06, 2008



Beleza e Reflexão
Com uma retrospectiva na galeria Tate Modern, de Londres, o brasileiro Cildo Meireles consagra-se como um dos principais nomes da arte contemporânea do mundo

Por Fernanda Lopes

O carioca Cildo Meireles experimenta dias de glória. É o primeiro brasileiro a sentir o gostinho de ver um bom resumo de sua trajetória exposto em um dos templos da arte atual. Até o dia 11 de janeiro de 2009, 80 obras suas, incluindo oito instalações, ocupam a galeria Tate Modern, de Londres, e cravam definitivamente o artista entre os grandes nomes da produção de hoje no mundo. Expor na Tate, para um artista contemporâneo, é o equivalente, no mundo do cinema, a ter um filme incluído no Festival de Cannes. A Tate é palco reservado para poucos. Antes de Cildo, apenas o conterrâneo Hélio Oiticica (1937-1980) havia invadido o endereço assim, sozinho, mas mesmo o nosso ícone neoconcreto só conseguiu alcançar tal feito em junho do ano passado, 17 anos depois de sua morte. "Cildo está entre as grandes referências para a nova geração, não só do Brasil, mas também de fora. Ele ingressou em um plano que escapa um pouco de uma nacionalidade", analisa o crítico Paulo Venâncio Filho. "Nossa produção contemporânea tem aparecido em coletivas internacionais, e o que acontece nesses casos é que os artistas são geralmente vistos apenas com um trabalho. Essa mostra do Cildo rompe com esse padrão ao apresentar um conjunto de suas criações. Isso deve abrir caminho para outros daqui se tornarem conhecidos de maneira mais consistente", completa.

Cildo chega à Tate com tapete estendido e tudo. "Ele é reconhecido como um dos principais nomes que contribuíram para o desenvolvimento internacional da arte conceitual. Ele fez alguns dos trabalhos filosoficamente mais brilhantes, politicamente mais reveladores e esteticamente mais sedutores da produção artística recente", resume Vicente Todoli, curador da exposição em Londres, ao lado do crítico inglês Guy Brett. Aos 60 anos, o artista fecha 2008 com mais duas adições bastante significativas ao currículo. Em fevereiro, ganhou o 7º Prêmio Velázquez, título de prestígio que pela segunda vez é entregue a um latino-americano — a primeira foi em 2005, para o mexicano Juan Soriano. Quase dez dias depois, no início de março, recebeu o Prêmio Ordway, promovido pelo New Museum, de Nova York. Se havia alguma dúvida, de agora em diante pode-se dizer sem titubear: Cildo tem um lugar garantido entre os melhores de qualquer suposta lista internacional.

ARTE SEM BULA
Ele conta que há mais de quatro décadas acontece sempre de um jeito meio parecido. Uma espécie de relâmpago o deixa sem muita escolha senão deixar-se levar pelo impulso. "É quando passa pela sua cabeça uma coisa que você não sabe o que é, não consegue definir o contorno, nada. Só sabe que precisa buscar aquilo", explica. É assim, entre uma tempestade interna e outra, que ele vem construindo um dos mais consistentes e inventivos legados de sua geração. Uma preocupação constante, no entanto, costura sua variada produção, que se desdobra em objetos, instalações e intervenções: a ampliação da idéia convencional de espaço. Diante de uma criação de Cildo, existe sempre o convite intrigante para investigar as possibilidades de novas relações entre o ambiente e os elementos dispostos nele.

Esse forte caráter reflexivo de seus trabalhos faz com que parte da crítica internacional o considere um artista conceitual, mas sua arte não cabe em uma definição única. Suas peças também seduzem o espectador e esbanjam beleza, indo nesse sentido um pouco na contramão dos conceitos mais caros aos principais nomes contemporâneos. "Ele alia contundência plástica ao pensamento. Em obras como Desvio para o Vermelho (feita entre 1967 e 1984, com três ambientes completamente vermelhos e pertencente ao Instituto Cultural Inhotim, em Minas Gerais), o espetáculo não é um elemento negativo como muitos vêem hoje. E, além disso, para usar uma palavra pouco usual na atualidade, trata-se de uma instalação muito bonita", diz o crítico Paulo Sergio Duarte.

Na Tate, ao lado de Desvio para o Vermelho, fica Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola (obra em que o artista pintava frases com críticas ao sistema em garrafas de refrigerante e depois as devolvia para o mercado), de 1970. Para a co-curadora da 28ª Bienal de São Paulo, Ana Paula Cohen, as garrafas, umas das peças mais antigas apresentadas agora em Londres, continuam sendo um estímulo bem pertinente para pensar as práticas artísticas: "Com elas, Cildo falava na existência de circuitos em uma sociedade de consumo. Dessa maneira, ele trazia para a arte a consciência de que os espaços em que a gente vive são expandidos, ao mesmo tempo em que expandia a arte para além de seus domínios".

Depois disso, o artista enveredou por um momento mais crítico, embora tente fugir a todo custo dessa classificação. "Até então eu participava das movimentações políticas da época, mas minha produção se mantinha longe disso. Com o assassinato de Edson Luís (estudante de 16 anos morto durante uma manifestação no Rio de Janeiro, em 1968) pela ditadura e o fechamento de uma exposição no MAM do Rio, em 1969, senti um impulso natural para tratar dessas questões. Foi uma tomada de posição", relembra Cildo. "Mas passei a década de 90 tentando fugir do estereótipo de arte política. Sempre tive problema, uma quase implicância com essa idéia panfletária. Ela reduz o trabalho."
Não é o que pensa o crítico Frederico Morais. "Eu e o Cildo temos uma divergência amigável, afetiva até, porque tendo muito a fazer uma leitura política do trabalho dele, o que não exclui os outros aspectos. Todas as suas obras têm conceito, raciocínio, uma cota de mistério, e ao mesmo tempo são visualmente sedutoras", aponta. Ao menos uma pitada desse espírito está representada na seleção da Tate pela instalação Missão/Missões (Como Construir Catedrais), realizada em 1987. Inspirada nas missões jesuíticas do extremo sul do país, a peça traduz-se em um chão coberto com 600 mil moedas e ligado a um teto com 2 mil ossos por uma coluna de 800 hóstias. "Essa criação marcou a entrada definitiva de Cildo Meireles no cenário internacional, quando foi integrada à mostra Magiciens de la Terre, no Centro Georges Pompidou, em Paris", diz Morais.

Depois de Londres, a mostra cumpre um roteiro que inclui ainda Barcelona, Houston, Los Angeles e Toronto. Grandes centros culturais poderão, portanto, analisar de perto uma obra aberta a muitas interpretações, como bem resume a crítica Luisa Duarte: "Os artistas de hoje que buscam um viés crítico, político ou ético em seus trabalhos deviam ter Cildo como um exemplo de como possuir um conceito forte sem perder de vista a eloqüência da linguagem, sem ser literal. Ninguém precisa de uma bula para entrar em uma obra dele. Elas têm um impacto profundo em quem as vê."


Onde e Quando
Cildo Meireles. Tate Modern (Bankside, SE1 9TG, Londres, Inglaterra, tel. 00++/44/20/7887-8888). Até 11/1/2009. De 2ª a 5ª, das 10h às 18h; 6ª e sáb., das 10h às 22h; dom., das 10h às 18h. Grátis.

Wednesday, November 05, 2008




EU TENHO UM SONHO
Discurso de Martin Luther King (28/08/1963)
"Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação.

Cem anos atrás, um grande americano, na qual estamos sob sua simbólica sombra, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que tinham murchados nas chamas da injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros.
Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre.
Cem anos depois, a vida do Negro ainda é tristemente inválida pelas algemas da segregação e as cadeias de discriminação.
Cem anos depois, o Negro vive em uma ilha só de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o Negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e se encontram exilados em sua própria terra. Assim, nós viemos aqui hoje para dramatizar sua vergonhosa condição.

De certo modo, nós viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória para a qual todo americano seria seu herdeiro. Esta nota era uma promessa que todos os homens, sim, os homens negros, como também os homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade e a busca da felicidade. Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com "fundos insuficientes".

Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça é falível. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidade nesta nação. Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça.

Nós também viemos para recordar à América dessa cruel urgência. Este não é o momento para descansar no luxo refrescante ou tomar o remédio tranqüilizante do gradualismo.
Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia.
Agora é o tempo para subir do vale das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da justiça racial.
Agora é o tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade. Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Esses que esperam que o Negro agora estará contente, terão um violento despertar se a nação votar aos negócios de sempre.

Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se dirige ao portal que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso legítimo direito, nós não devemos ser culpados de ações de injustiças. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Nós não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Novamente e novamente nós temos que subir às majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. Nossa nova e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade negra que não devemos ter uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, para muitos de nossos irmãos brancos, como comprovamos pela presença deles aqui hoje, vieram entender que o destino deles é amarrado ao nosso destino. Eles vieram perceber que a liberdade deles é ligada indissoluvelmente a nossa liberdade. Nós não podemos caminhar só.

E como nós caminhamos, nós temos que fazer a promessa que nós sempre marcharemos à frente. Nós não podemos retroceder. Há esses que estão perguntando para os devotos dos direitos civis, "Quando vocês estarão satisfeitos?"

Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não poderem ter hospedagem nos motéis das estradas e os hotéis das cidades. Nós não estaremos satisfeitos enquanto um Negro não puder votar no Mississipi e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem abaixo como águas de uma poderosa correnteza.

Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e sofrimentos. Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca pela liberdade lhe deixaram marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de brutalidade policial. Você são o veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixe caiar no vale de desespero.

Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.

Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta.

Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. Com esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir encarcerar juntos, defender liberdade juntos, e quem sabe nós seremos um dia livre. Este será o dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado.

"Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto.

Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos,

De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!"

E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro.

E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New Hampshire.

Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas poderosas de Nova York.

Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania.

Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve Rockies do Colorado.

Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia.

Mas não é só isso. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Pedra da Geórgia.

Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do Tennessee.

Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi.

Em todas as montanhas, ouviu o sino da liberdade.

E quando isto acontecer, quando nós permitimos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos acelerar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar nas palavras do velho spiritual negro:

"Livre afinal, livre afinal.

Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós somos livres afinal."